Carles Folguera é uma
referência entre os guarda-redes de hóquei em patins. Nascido em 1968, começou no
Club Patí Bell-lloc, onde esteve até aos 16 anos. Um ano no Lleida foi
suficiente para chamar a atenção do Igualada, onde a partir dos 17 anos se
afirmou como um dos melhores guardiões da história da modalidade, inovando na
forma de defender e na imagem, outrora cinzenta do desporto.
Esteve oito triunfantes
anos nos “arlequins” antes de rumar com o treinador Carlos Figueroa e o companheiro
de sempre, David Gabáldon, a Barcelona. Aí cumpriu mais oito anos, juntando
sete OK Ligas e quatro Ligas Europeias aos quatro títulos máximos continentais
e três campeonatos nacionais conquistados em Igualada.
Tendo a pedagogia como
a sua outra paixão (quiçá maior do que o hóquei), assumiu o cargo de director
de La Masía em 2002.
Marina Alves esteve em Barcelona à conversa com Carles Folguera, numa entrevista para o HóqueiPT e para O Mundo dos Guarda-Redes.
Marina Alves: Podemos começar pela tua
alcunha... Porque te chamam “Pollo” [ndr: frango em português]? Em português
não é uma alcunha muito feliz para um guarda-redes...
Carles Folguera: Há uma canção chamada
“El Pollo” e uma vez, depois de um jogo, falei dessa música no balneário e
todos começaram a cantar e a dançar, e a partir daí começaram a chamar-me “El
Pollo”. Aqui é uma coisa positiva e tudo tem a sua história. A da minha alcunha
é esta.
MA: Foste um Guarda-Redes inovador não só tecnicamente
mas em termos de imagem, porque foste o primeiro a ter desenhos nas protecções…
Como surgiu a ideia?
CF: Fundamentalmente
porque o equipamento dos jogadores de hóquei em patins era muito tradicional,
todo preto. Uma vez, em conversa com um fabricante de material, perguntei porque
não começávamos a inovar, a pôr mais cor e a tornar o material mais atraente. E
começou com um apontamento muito pequeno, que era um triângulo de cor nas caneleiras.
E lembro-me de lhe dizer que, para fazer mudanças, ou fazíamos em grande ou
então não fazíamos. E começámos a desenhar caneleiras de cores diferentes.
Lembro-me de que na minha primeira época no Igualada usava uma camisola “Mironiana”,
de Miró, com muitas cores. Foi a maneira de tornar diferente um desporto muito
cinzento.
MA: De todos os jogadores com quem
jogaste, que dois defesas escolherias para ter à tua frente?
CF: É muito difícil…
defesas… é muito difícil. Havia um português que era muito bom defesa, que era
o Paulo Almeida. Gostava muito dele. E também acho que o meu irmão Albert
Folguera era muito bom defesa, mas tenho que falar noutro que, ainda que não
seja defesa, jogava atrás e foi um dos melhores defesas que houve, Santi Carda.
MA: Com David Gabaldón estiveste
oito anos em Igualada e oito em Barcelona, acabaram por retirarem-se juntos.
Têm uma relação especial ou foi casualidade?
CF: É como um irmão mais
novo para mim. O David foi a pessoa com quem joguei mais anos na mesma equipa e
ainda nos encontramos. Temos uma forte amizade. Temos uma pequena diferença de
idades mas é como um irmão mais novo. Gostamos muito um do outro. Somos muito diferentes
mas é a pessoa com quem me entendi melhor dentro e fora de rinque… para mim é
muito especial.
MA: E com Carlos Figueroa?
CF: Bem… (emocionado)
Carlos Figueroa chegou a Igualada pouco depois de se retirar como jogador e
creio que foi o treinador que, globalmente, mais valor acrescentou do ponto de
vista táctico à modalidade. Tive a sorte de estar com ele cinco anos em
Igualada e oito em Barcelona… treze anos no total. Carlos também demonstrou que
cada vez mais a figura do treinador não passa apenas por uma pessoa. O
treinador é muito importante mas, quando há um bom adjunto e bom staff, é muito
mais fácil triunfar em equipas com bons jogadores.
MA: Como agora no FC Barcelona?
CF: Sim. Antes o treinador
actuava como treinador mas também como psicólogo, fisioterapeuta… era uma única
figura. Cada vez há mais pessoas a integrarem o staff técnico e que ajudam a
que o treinador tenha a informação médica, psicológica, treinos específicos
para Guarda-Redes… É muito importante que o corpo técnico não seja apenas uma pessoa.
MA: Figueroa está afastado do hóquei
há muito tempo. Como se explica? Não faz falta à modalidade?
CF: Bem… depois de estar
no FC Barcelona teve várias experiências. Em Reus correu bem, em Vic nem
tanto... depois também esteve em Sitges e no hóquei feminino. Mas depois, voluntariamente
ou não, ficou sem trabalho. Teve a sorte de treinar as três ou quatro equipas
mais fortes: esteve em Igualada na melhor altura, depois no FC Barcelona, e no
Reus foi campeão da Liga e da Europa... foi um técnico de muito êxito.
É um apaixonado pelo
hóquei mas também é verdade que, quando os anos passam, há muitas coisas que
influenciam a tua decisão. A tua mulher, a tua vida, a equipa que te oferecem,
se estás motivado, onde vais viver... depende de muitos factores. E eu, por
exemplo, também gostava de ter sido treinador e treinar equipas de elite
durante 20 anos.
MA: Quem foi o melhor avançado que tiveste pela frente?
CF: Muitos! Tive um
companheiro de equipa que se chamava Joan Ayats, que era um avançado
extraordinário; Daniel Martinazzo, um excelente avançado; e, em Portugal, ainda
que tenha jogado poucos anos contra eles, Vítor Hugo e Rui Lopes.
Em Espanha, foi claramente
Ayats, pela sua maneira de jogar. Colocava-se muito à frente do Guarda-Redes, rematava de
todo o lado e não podias deixar uma bola perdida que ele rematava rapidamente.
Era um jogador muito difícil, dos que te agrada ter na frente. Tive a sorte de
sermos colegas de equipa, mas sofri durante cinco anos nos treinos.
MA: Qual foi o título que mais te marcou?
CF: Eu tenho muito, mas mesmo
muito apreço pela primeira Liga Europeia que ganhei ao Benfica... porquê?
Porque vinha de perder os Jogos Olímpicos em Barcelona. No jogo em que deveria
ter estado melhor, não estive bem e sentia-me responsável por termos perdido
quando achava que tinha feito um bom campeonato. O jogo contra a Argentina era
decisivo e eu não estive bem. E, para além de não estar bem, culpei-me ao ponto
de ficar inseguro. Perguntava-me como tinha sido possível falhar num jogo tão
importante.
E a competição que se
seguiu para eu demonstrar que aquilo tinha sido um acidente foi contra o Benfica.
Lembro-me que em casa ganhámos 4-1 e fomos ao Benfica, que tinha uma equipa
espetacular, e acho que fiz um dos melhores jogos da minha vida. Foi um jogo muito
difícil mas que ganhámos bem. Lembro-me de que quando faltavam três ou quatro
minutos para terminar, sempre que eu defendia uma bola as pessoas aplaudiam-me.
Para mim é uma recordação muito importante. Foi a primeira Liga Europeia que
ganhei depois de perder os Jogos Olímpicos e depois tive a sorte de ganhar as
sete finais da Liga Europeia que disputei. Para mim foi o verdadeiro início de
tudo.
MA: Agora de fora, como analisas os Guarda-Redes do FC Barcelona?
CF: Eu acho que tenho a
sorte ou, melhor, no FC Barcelona temos a sorte de ter dois Guarda-Redes completamente
diferentes, com características diferentes, mas com um aspecto que para mim os torna
espectaculares e decisivos: a mentalidade. Têm cabeça e muita personalidade.
Há Guarda-Redes incríveis...
Trabal, quando está inspirado, é um dos melhores que há, porque adivinha para
onde vai a bola, e é talvez com quem mais me identifico na forma de defender.
Mas acho que Egurrola e Fernandez são espetaculares. Gosto do Malian, Guarda-Redesdo
Liceo, é interessante. E também do que estava o ano passado no Vendrell,
Puigbi. Mas em Espanha há muitos bons Guarda-Redes.
MA: Qual é o segredo da Espanha para ter tão bons Guarda-Redes?
Portugal também tem...
o Guarda-Redes que estava a época passada em Valongo [ndr: Ângelo Girão] é muito bom. A
Espanha sempre teve muita competência e muitos bons GR mas também acho que
damos mais importância à figura do GR.
Creio que temos muitas
equipas boas e competentes e que a figura do GR é importante em qualquer
equipa. Comparando com Argentina, Itália ou Portugal, a verdade é que os
melhores são daqui.
MA: Estiveste na base desta dinâmica...
CF: Não... na minha época havia
Ramon Canalda, Llaverola, antes Huelves... Sempre houve bons GR em Espanha. A
competência faz com que, quando não há muita diferença entre Guarda-Redes, tenhas de tornar-te
melhor. Se em Portugal só há dois que se destacam, acabas por não crescer como GR.
Mas quando te pressionam de baixo, quando começam a aparecer bons GR, ou
melhoras ou ultrapassam-te.
MA: Como vês as novas regras? O Guarda-Redes é vítima ou protagonista?
CF: O Guarda-Redes é mais
protagonista mas também é vítima. Há regras novas de que eu gosto muito... as
expulsões temporárias agradam-me. Que haja superioridade numérica durante dois
ou quatro minutos, a pressão de estar com mais ou menos jogadores, funciona. As
faltas também me parecem correctas, ainda que eu ache que existem demasiados
critérios e que esses critérios determinam uma boa ou má arbitragem. É verdade
que os livres directos ou as grandes penalidades condicionam o jogo e tornam o Guarda-Redes na figura do jogo. Mas antigamente, no meu tempo, tinhas a bola e estavas dois
minutos sem ir à baliza. Agora sabes que em 30 segundos tens de criar uma
jogada. Isto aumenta os remates, mas não melhora a qualidade dos remates, Antes,
talvez fosse mais fluído mas agora é mais direto, tens de ir mais rápido à
baliza. Acho que atualmente as equipas que dominam o contra-ataque e as bolas
paradas têm mais hipóteses de ganhar o jogo.
MA: E aí, por vezes, são os
árbitros os protagonistas..
CF: Sim... influenciam
muito. Antes ias a qualquer pista e era muito difícil as outras equipas terem
situações isoladas frente ao Guarda-Redes. Hoje em dia, mesmo sendo mais fracas, têm
sempre três ou quatro oportunidades, entre grande penalidade e livre directo, de marcar golos. É bom, mas
no caso de ser um árbitro com pouca personalidade, influenciado pelo público ou
não, pode decidir um jogo num LD.
MA: Depende da percepção do árbitro...
CF: Há árbitros que apitam
com facilidade, a outros custa-lhes mais. Falta definir muito bem as situações:
quando é falta de bloqueio, bloqueio em ataque, bloqueio em defesa e quando um
golpe é intencional e é falta e expulsão. Dependendo do jogo, algumas acções
são LD e expulsão e noutros não são nada. As regras estão bem, a sua aplicação
é que falha. Eu mantinha estas novas regras mas faria uma leitura e redefiniria
alguns pormenores. Por exemplo, acabava com o tempo para sair da meia pista
defensiva, os 40 segundos passariam a um minuto, mantinha as faltas, falta
dentro da área seria GP, as expulsões gerariam inferioridade numérica... mas a
parte boa de uma modalidade é que podemos ir modificando as regras para
torná-la mais espetacular e para que o público se divirta.
MA: A tua ligação à modalidade agora é como treinador de Guarda-Redes...
CF: Sim. Mas mais do que ser
treinador de Guarda-Redes estou na equipa técnica com o Ricard Muñoz e o Edu Castro e dou
o meu ponto de vista sobre a equipa, sobre Sergi e Aitor, como estão, que jogo
acho que é melhor para jogar um ou outro.
A minha incorporação
no staff é para acrescentar o meu ponto de vista pela minha experiência, para
que depois seja Ricard a tomar a decisão.
MA: Como se motiva dois Guarda-Redes que já ganharam tudo?
CF: Vou dizer-te uma coisa
que creio que nunca lhes disse porque sei que o sabem. Quando estás no teu
melhor nível e na melhor equipa, naquela que tem de ganhar tudo, tens de
entender que és um privilegiado porque, com duas ou três horas por dia são
jogadores profissionais de hóquei e estão na melhor equipa. Eles os dois têm um
nível de compromisso em que têm de estar a 100% para render e estarem em pleno,
porque se baixam o nível a equipa ressente-se. Têm de estar num nível muito
elevado mas são dois GR que não são parecidos em nada.
MA: Mas parece-me que gerem isso muito bem...
CF: Sim. Se não se
respeitassem nem se entendessem seria mais complicado. Não é fácil partilhar
balneário com um GR que sabes que, se ele não estivesse, serias tu o GR
principal. Para mim é evidente que o Aitor é muito melhor GR agora do que há uns
anos atrás. Um GR com alguma maturidade é mais seguro, tem mais autoridade, não
só porque defende mas como defende. Aitor está num momento de maturidade
selvagem, espectacular, e acredito que daqui a oito meses, um ano ou dois, o
Sergi vai estar assim. Julgo que o Sergi neste momento tem de esperar, da
maneira como está a fazer, empenhado a 100% para que, quando se faça a mudança,
seja com naturalidade. São dois GR que qualquer treinador inveja.
O testemunho da entrevistadora