O guarda-redes de Hóquei em Patins e os aspetos fisiológicos da posição - Tiago Sousa


O guarda-redes e os aspetos fisiológicos da posição

O Hóquei em Patins caracteriza-se como um jogo desportivo coletivo onde se defrontam duas equipas com o mesmo objetivo: introduzir a bola na baliza do adversário, apenas com a ajuda do stick (Lopes, 2002). Então, não custa aceitar que o desempenho do lugar de guarda-redes de uma equipa é um dos mais importantes, senão mesmo o mais importante (Amorim, 2008).
Devido à enorme importância que o guarda-redes de Hóquei em Patins tem, cada vez mais, torna-se necessário encontrar e formar atletas capazes de poderem desempenhar essa função da forma mais eficaz possível.
É inevitável, apesar de ser socialmente incorreto pensá-lo, especializar a criança (na posição de guarda-redes) o mais cedo possível (Riverola i Sabaté, 2009). A posição de guarda-redes é uma posição que exige muita especialização no hóquei em patins, ao mais alto nível, nem os guarda-redes jogam de avançados ou defesas nem estes jogam de guarda-redes. Isto não quer dizer que em idades mais jovens os pretendentes a guarda-redes não devam experimentar outras posições (Riverola i Sabaté, 2009). Crianças envolvidas no desporto devem ser encorajadas a participar numa grande variedade de diferentes atividades e desenvolver um vasto leque de habilidades (Village, 2000).
No que concerne à sua constituição, os guarda-redes com maior estatura têm mais vantagens do que os de estatura menor, porque chegam mais depressa aos ângulos de baliza e porque cobrem uma superfície maior com o seu corpo. Em contrapartida, os mais altos são muitas vezes menos ágeis e versáteis que os mais baixos e têm dificuldades de coordenar os seus movimentos. Segundo Manaças (I Clinic da ANTHP, Despertar o Hóquei em Patins, 1994), o guarda-redes de Hóquei em Patins deverá ter uma altura média de 1.75/1.85, devendo ser o peso proporcional à altura, se possível um pouco “mais magro”. Este mesmo autor caracteriza o esforço do guarda-redes como predominantemente anaeróbio, quer aláctico quer láctico. Com isto não quer dizer que se devam excluir jovens atletas que gostem da posição de guarda-redes devido à sua baixa estatura. Temos exemplos de guarda-redes que apesar de não serem particularmente altos foram excelentes executantes. Na minha opinião deve-se ter uma especial atenção na seleção dos jovens atletas que pretendem vir a ser guarda-redes. Hoje em dia já não se deve “mandar” um jovem atleta para a baliza apenas porque este não “sabe patinar”. O guarda-redes deve ser um atleta que consiga dominar a patinagem geral, bem como a específica da posição.
O guarda-redes tem privilégios especiais bem como deve ter um treino diferenciado dos restantes companheiros de equipa. Usa equipamento específico, que é diferente daquele usado pelo resto de companheiros de equipa, e está sujeito a regulamentos específicos. Os guarda-redes podem usar qualquer parte do corpo para defender a bola.
Por norma cada guarda-redes tem a sua forma particular de defender (Técnica), mas, em geral, o guarda-redes defende da forma que pode: usando a mão esquerda ou a luva do stick, ou por outro lado usando as caneleiras em particular usando a técnica de “pantalha” bastante comum quando se quer defender remates à queima-roupa.

            O Hóquei em Patins, é um desporto que requer exercício intermitente com ações curtas de intensidade variável, em muitos casos máxima ou submáxima e pausas frequentes, também curtas, que apesar de dificultar a recuperação total dos sistemas funcionais, permitem uma determinada recuperação entre esforços, evitando a acumulação de fadiga e esgotamento do jogador (Ares, 2005). Blanco (1994) verifica efetivamente que a relação trabalho-pausa, é de 1-1.02, em que o tempo de trabalho chega a ser inferior ao tempo de pausa.
Segundo os resultados de um estudo de Valente-dos-Santos (2009) realizado com atletas sub-17 de nacionalidade portuguesa, evidencia-se que os hoquistas têm valores de consumo máximo de oxigénio de 61 ml·kg-1·min-1, reforçando desta feita o quadro de evidências de Malina (Malina, RM & Bouchard, C & Bar-Or, 2004) e colocam os hoquistas como atletas que demonstram valores de potência aeróbia por unidade de massa corporal, similares aos seus pares futebolistas, basquetebolistas e nadadores.
De acordo com Manaças (1988), a resistência aeróbia pode definir-se como a capacidade de ser mantido um esforço, de intensidade baixa ou média, o maior tempo possível e sendo requerido, em simultâneo, um equilíbrio entre o transporte de energia, fundamentalmente de oxigénio e o gasto da mesma pelo organismo.
A resistência anaeróbia é caracterizada como um esforço realizado na ausência de oxigénio, o que é devido, fundamentalmente, à incapacidade do aparelho cardiovascular fornecer a quantidade de oxigénio necessária ao aparelho locomotor. A resistência anaeróbia pode então definir-se como a capacidade de ser mantido um esforço de intensidade máxima ou submáxima o maior tempo possível, podendo ser dividida em aláctica e láctica (Manaças, 1988).
Manaças (Honório, E & Manaças, n.d.), caracteriza o esforço do Guarda-Redes como predominantemente anaeróbio quer aláctico quer láctico.

Quadro 1. Caracterização do esforço do Guarda-Redes (Honório, E & Manaças, n.d.).


Guarda-Redes
Resistência Aeróbia
*
Resistência Anaeróbia Aláctica
***
Resistência Anaeróbia Láctica
***
Força Velocidade
***
Velocidade de Reação
***
Velocidade de Execução
***
Velocidade de Deslocamento
*
Flexibilidade
***
* - Útil; ** - Necessária; *** - Fundamental

No que diz respeito à via anaeróbia aláctica, não existe produção de ácido láctico, capacidade de manter eficientemente um esforço de intensidade máxima o maior tempo possível, sem que a concentração de ácido láctico chegue a interferir na contração muscular. Esta via é crucial para a realização de esforços curtos e intensos (Furtado, 2005).
No que concerne à via anaeróbia láctica, tal como o nome sugere origina ácido láctico, sendo esta decisiva para a realização de exercícios prolongados e de intensidade submáxima (Furtado, 2005).
Num estudo realizado por Amorim (2008) foi possível verificar que os guarda-redes apresentam uma potência anaeróbia máxima absoluta de 514,8 watts e realizam em média 68,6 percursos no PACER. No que concerne aos testes de força, nos sit-ups realizam 36,87 repetições e na impulsão horizontal atingem em média 195,5 cm. Concluindo com estes resultados que os guarda-redes são classificados como sendo menos aptos nas provas de força que impliquem movimentos dinâmicos (impulsões, sit- ups, lançamento da bola), e deslocamento do corpo (corrida 25 metros e Pacer), apesar de na potência anaeróbia máxima obterem os melhores resultados, através da prova Wingate.
Porta e Mori (1986), definiram as características específicas para cada jogador segundo a posição ocupada em campo, sendo que, ao guarda-redes são exigidas grandes capacidades de flexibilidade, de agilidade de movimentos e velocidade de reação, tirando ainda partido se for possuidor de uma boa compleição física, pois diminui os espaços livres na baliza.
Quadro 2. Necessidades das diferentes capacidades físicas, em função da dinâmica posicional (Porta J & Mori I, 1986).



Guarda-Redes
Resistência Aeróbia
*
Resistência Anaeróbia
**
Velocidade de Reação
***
Velocidade de Deslocamento
*
Força Máxima
**
Força Explosiva
***
Coordenação Dinâmica Geral
**
Flexibilidade
***
Habilidade
**
Agilidade
***
Equilíbrio
**
Coordenação Óculo - Manual
***
Visão Periférica
***
* útil   ** necessária    *** imprescindível 

Segundo Porta e Mori (1986) capacidade aeróbia foi considerada secundária para um jogo de hóquei patins. Segundo estes, esta via é utilizada para aumentar a resistência anaeróbia atrasando o efeito da fadiga e por último para conseguir recorrer do melhor modo aos skills, quer técnicos, quer táticos.
Ares (2005) procurando clarificar a questão da frequência cardíaca (FC) em competição, encontra valores médios de 158 a 181 batimentos por minuto (bpm), no mesmo jogo e em jogadores distintos. Blanco (1994), numa aproximação similar, regista uma FC média de 158 bpm. Em ambos os estudos parece evidenciar-se uma menor FC nos guarda-redes em relação aos jogadores de campo.
Mori (1991), afirma que se quisermos aglutinar todas as qualidades físicas próprias do guarda-redes em uma só, não teríamos mais que definir, se bem com certas restrições, a que seria a qualidade física resultante, a Agilidade, que ele define como capacidade de mover o corpo rapidamente nos três planos do espaço. E se juntarmos a esta definição com a máxima amplitude estamos a completar a definição com uma qualidade física primordial e determinante nas ações técnico-táticas do guarda-redes, a Flexibilidade, e se quisermos tornar extensível esta amplitude segmentaria ao espaço de ação do guarda-redes ainda que reduzido, então teremos de juntar outra qualidade física, a Força. Logo, segundo Mori (1991), para se obter o máximo desenvolvimento desta qualidade física resultante da união da Flexibilidade, Velocidade, Força e Coordenação, há que trabalhar de forma específica e em separado cada uma delas.

                Tendo em conta os aspetos fisiológicos que enumerei anteriormente, cabe agora aos treinadores serem capazes de criar exercícios potenciadores das capacidades físicas dos seus guarda-redes. Sendo que neste artigo me refiro apenas a questões de ordem física, nunca podemos dissociar o trabalho físico do trabalho psicológico… é que para um guarda-redes estar a um grande nível, não basta “apenas” estar bem fisicamente, é muito importante que os índices de confiança e motivação sejam elevados. Jarov refere que "a obtenção de performances elevadas depende da unidade entre a preparação física, técnica, tática, volitiva e teórica dos desportistas". É que “um guarda-redes com Moral de Vitória é Meia Equipa” (Honório).

O perfil do treinador O Mundo dos Guarda-Redes

Tiago Emanuel Costa e Sousa
- 1977/10/18

  • Licenciado em Geografia
  • Mestre em Treino Desportivo para Crianças e Jovens
  • Atleta de alta competição, Modalidade de Hóquei em Patins

  • Internacional pela selecção Angolana e Portuguesa
  • Clubes representados: Clube Académica de Luanda, Liceo de La Coruña, UD Oliveirense, FC Porto, Infante Sagres, Sporting de Tomar, SC Marinhense, HC Mealhada

  • 2 Ligas dos Campeões
  • 2 Campeonatos Nacionais Angolanos e 3 Campeonatos Nacionais Portugueses