Martinis - Profissão Guarda-Redes por António Valente Cardoso


Martinis. Sim, o Martini é uma bebida espirituosa, agradável, mas qual a sua relação com as balizas? Algo que a geração sub30 dificilmente compreende.

A internet revolucionou a forma de se fazer comunicação, ainda que muitos media portugueses, por exemplo, pareçam não o ter compreendido pela forma como continuam a difundir a informação online, mas isto é acessório nestas linhas.

Outra diferença fundamental prende-se com a obtenção de informação e informações. Longe vão os tempos da máquina de escrever, dos telegramas, dos dias de espera para obter dados mais concretos numa investigação ou para concretizar uma peça jornalística.

Cada salto geracional oferece novidades, proporciona novas formas de ver, ler, comunicar, viver. Não somos do tempo da ditadura (e, sim, escreve-se sobre regimes autoritários e não sobre quaisquer sensações físicas ou fisiológicas do foro sexual), não vivenciamos a fome como outrora ela atingiu o país, entre tantas outras situações que poderiam aqui constar.

A profusão de soluções informativas que hoje temos à disposição em nada tem a ver com o que sucedia há 20 ou 30 anos. A televisão tinha dois ou quatro canais, salvo os afortunados que possuíam ou acediam às imagens oriundas de uma parabólica, como era o meu caso por sinal. Os jornais desportivos eram trissemanários, conseguir acesso à imprensa estrangeira era igualmente uma fortuna, viver perto ou ir habitualmente a locais com algum turismo, onde os quiosques já tinham títulos estrangeiros, aguardar que alguém trouxesse essas preciosidades ou existir um quiosque perto com essas leituras, como me acontecia e me levou a começar a comprar e ler a Onze Mondial aos 14 anos, por aí.

Para os que não sabem, hoje um pouco em perda, a Onze foi durante anos uma referência francófona para o futebol, como o L’Équipe ainda hoje é para o desporto em geral, chegando mesmo a sombrear a World Soccer, também atrasada no acompanhamento da evolução mediática da comunicação, mas de peso no universo futebol durante décadas.

França, é a França que nos leva aos martinis.
Bruno Martini surge a defender as redes do Auxerre, já de Guy Roux, numa altura – antes e depois – em que o AJA se assumia como uma das referências da formação em França. Martini é contratado na transição da formação para sénior ao Nevers, cidade onde nasceu. Depois do empréstimo ao Nancy, assume a difícil sucessão a Joel Bats, quando este se muda para Paris. É um dos muros do clube, bate um recorde de imbatibilidade e mantém-se no clube até 1995, altura em que ruma a Montpellier para mais algumas temporadas antes da retirada, aos 37 anos, e integração nas selecções francesas como técnico dos guardiões.
Até aqui tudo bem, certo?
Eis que, de repente, Bruno Martini aparece a defender balizas de andebol!

Como? O homem agora multiplica-se? Defende também andebol?
Aquilo que hoje é básico, em 1990 não o era tanto! Quando só se tinha acesso, se ouvia o nome Bruno Martini nas selecções francesas de futebol e andebol, é algo que cria dúvidas na mente.
Se já conseguia ter informações de futebol bastante aprofundadas, para a época, com a Onze, vendo a DSF, o Eurosport, no andebol não era tão simples, apenas surgiam os nomes, em fase final de Mundial ou Europeu, um nome… um nome de guarda-redes igual a outro nome de guarda-redes, ambos gauleses, ambos a defenderem a baliza dos ‘galos’ e demorou algum tempo até conseguir deslindar as diferenças, algo que hoje demoraria segundos.

O que se pode aprender ou depreender disto?! Cada época vale por si, o que tem, obtém e oferece. Hoje em dia tudo é bem mais simples no que toca à informação e, no entanto, esta não é – de todo – mais profunda e aprofundada, assenta essencialmente na superficialidade, seja pelo leitor – com opção, seja pelo autor – por omissão.

Pedir-se-ia que os media, até pela necessidade de sobrevivência, buscassem a diferença no aprofundamento, na reportagem, na investigação. Não o fazem, preferem ceder à pressão do imediatismo, onde são batidos pelo comum cidadão, pelo crescimento dos blogues profissionais e especializados, pelos meios de comunicação social adaptados à realidade virtual, do online, do agora e já. Apesar da perda constante de leitores e mesmo telespectadores, continuam resistentes à mudança, à adaptação, ficando dessa forma mais sujeitos a que os martinis lhes causem confusão também!

Vi ambos ao vivo, ainda adolescente, dois excelentes guarda-redes nas respectivas modalidades, num país que preza e gosta do desporto; não com o amor, cultura e educação germânicos, mas igualmente carinhoso e apaixonado pelas diversas modalidades desportivas e seus intérpretes.



- António Valente Cardoso

- Jornalista, historiador e investigador desportivo

- Ideólogo do Observatório Ligas Europeias Futebol

- Autor do livro Globall, A Globalização e os Mundiais de Futebol